EXCESSO DE SONO DURANTE O DIA SINALIZA DOENÇA GRAVE
Tratamento é feito com uso de anfetaminas que estimulam o sistema
nervoso central
Por: FERNANDA BASSETTE
Funcionário
de uma empresa estatal, o mineiro Reginaldo Jaime Henrique se aposentou aos 29
anos. No auge da carreira, o motivo da aposentadoria precoce foi o excesso de
sono que ele sentia durante o dia. “Fui pego várias vezes dormindo durante o
trabalho”. Henrique não era preguiçoso. Ele tinha narcolepsia, um dos mais
graves distúrbios do sono. A narcolepsia - ou sonolência diurna excessiva - foi
descrita na literatura médica pela primeira vez em 1887. Porém, a causa da
doença só foi descoberta em 2000, quando ela foi diretamente associada à
deficiência da orexina, um dos neurotransmissores responsáveis por nos deixar
acordados. “A orexina é que controla o nosso sono. Ela está presente em cerca
de 20 mil células do hipotálamo. Nos pacientes narcolépticos, depois da
primeira década de vida, essas células começam a morrer e por isso a pessoa
passa a ter episódios incontroláveis de sono”, explica o neurologista Rubens
Reimão, coordenador do departamento de neurologia da Associação Paulista de
Medicina. O paciente que sofre desse distúrbio não consegue controlar o sono
durante o dia e dorme em qualquer ocasião: dirigindo, trabalhando, conversando.
Isso acontece porque sem a orexina ele sofre intervenções do sono REM (estágio
do sono em que a pessoa sonha) em qualquer horário do dia, mesmo que ele tenha
tido uma boa noite de sono. A neuropediatra Márcia Pradella Hallinan,
responsável pelo ambulatório de sonolência excessiva do Instituto do Sono da
Unifesp explicou que a doença tem quatro características marcantes. A primeira
delas é o excesso de sono durante o período claro do dia. Depois, são os
episódios de cataplexia (perda do tônus muscular). Nesses casos, em situações
de forte emoção, o paciente perde o controle da força nas pernas e cai. “Ele
fica consciente, mas por alguns segundos não consegue se mexer. Chega a ser
confundido com epilepsia”, explica Márcia. O terceiro sintoma da doença são as
crises de alucinação, quando mesmo acordado o paciente tem a impressão de estar
sonhando. “É mais uma forma de interferência do sono REM”, esclarece a
especialista. Por fim, o narcoléptico pode sofrer também a chamada paralisia do
sono: assim que ele acorda, não é capaz de mexer nenhum músculo a não ser os
olhos. O diagnóstico da narcolepsia é feito por meio de um exame de
polissonografia. Em um laboratório, o paciente é monitorado durante a noite
toda. No dia seguinte, os especialistas pedem que ele tente dormir cerca de 20
minutos em intervalos de duas horas. “Dessa forma é possível analisar as
alterações cerebrais e perceber o quanto é fácil para essa pessoa dormir”,
disse Maurício Bagnato, coordenador do Instituto do Sono do Hospital Sírio
Libanês.Em uma situação dessas, depois de uma noite de sono normal, uma pessoa
que não tem narcolepsia demoraria de 10 a 12 minutos para começar a cochilar e
no máximo entraria em um sono superficial. O paciente narcoléptico não. Em
pouco mais de 30 segundos ele cai no sono pesado e, na maioria das vezes,
atinge o estágio REM. O tratamento é feito por meio de anfetaminas, que estimulam
o sistema nervoso central e deixam os pacientes acordados. São quatro
comprimidos por dia. Não há ainda medicamento específico para a doença. “Há
laboratórios analisando a possibilidade de produzir a orexina sintética, mas
ainda são estudos”, disse Reimão. O neurologista disse que a ciência trabalha
com duas possibilidades para explicar a morte das células que produzem a
orexina: ou a doença é auto-imune e algum mecanismo do próprio paciente estaria
destruindo essas células ou está havendo uma morte celular precoce, causada por
defeitos genéticos, assim como acontece nas doenças como mal de Alzheimer e mal
de Parkinson. “Sempre fomos vistos como pessoas preguiçosas, mas somos pessoas
normais. Só não fazemos tudo igual aos outros porque o sono não nos permite”,
desabafa Henrique, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Portadores de Narcolepsia.
Depoimento : Meu casamento quase foi para o brejoTive uma vida normal até os 17
anos, quando descobri que estava grávida e o meu namorado terminou comigo.
Minha mãe também não aceitou minha gestação e ameaçou me colocar para fora de
casa. Por conta da situação, da pressão, os sintomas da narcolepsia começaram a
aparecer. Passei a sentir muito sono e os médicos me diziam que era normal com
a gestação. Quando o bebê nasceu, tentava dar de mamar, mas sempre dormia, era
incontrolável. Passei a ter crises de sono na sala de aula e os professores
achavam que era falta de respeito. Parei os estudos. Comecei a trabalhar em uma
seguradora e perdi o emprego porque precisava tirar um cochilo a cada duas
horas. Era vista como desatenta, preguiçosa. Mas eu não sabia o que tinha. Eu
me casei, e os problemas continuaram. Eu dormia normalmente a noite toda, mas
continuava com muito sono durante o dia. Não conseguia cuidar da casa, uma vez
dormi de repente com a panela no fogo e fui acordada pelo meu filho de seis
anos, por causa de um princípio de incêndio. Meu casamento quase foi para o
brejo. Além disso, eu tinha crises de cataplexia logo após a relação sexual.
Não conseguia me movimentar, apesar de estar consciente. Comecei a me cobrar,
era como uma bola de neve. Só descobri a minha doença em 2000, depois de nove
anos sofrendo. Hoje tomo quatro comprimidos de anfetamina diariamente. Apesar
de saber que não é a cura para a doença, posso dizer que tento levar uma vida
normal. Links Patrocinados
Postado por Alberto(CABB)
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